domingo, 26 de outubro de 2008

Vertigem - ou o que é "ciência social"

Imagine-se dentro daquele ônibus lotado. Pessoas se espremendo, em pé, sentadas. Chove e faz calor: as janelas fechadas. Você lá no fundo, na última cadeira à direita. A respiração é difícil. Pesada. Pense em sua casa, seus caminhos para a faculdade, para o trabalho... Você indo e vindo. Imagine seus problemas e... Olhe ao redor. Imagine que todas essas pessoas também possuem suas próprias vidas. Que elas não estão lá para figurar um filme que você protagoniza. Aquela mulher de cabelos negros, blusa branca e jeans. Ela também pode ter uma mãe, um amigo, um problema. Aquela pessoa sofre, assim como você. Imagine o tamanho da bola de sofrimento que este ônibus carrega. Imagine a potência da alegria que lhe é possível. Um poço de indiferença que começa nos seus olhos e não se encerra em você. Os olhares cruzam, mas é como se ninguém estivesse verdadeiramente ali. A presença... O vazio. Tudo.
Pense que muitas daquelas pessoas podem lhe ser hostis; causar dor. Mas elas não devem ser assim com todo mundo. Elas cometem crimes hediondos, praticam uma conduta deplorável ou mesmo conseguem manter-se coerentes. Ainda têm ou tiveram mãe, pai... alguém de quem elas pudessem gostar e que gostassem delas também. É possível que algumas pessoas possam machucar muita gente, mas nunca machucariam uma ou duas pessoas em especial. Por que isso ocorre?

Outra pessoa se jogou do alto de um prédio. Muitas pessoas puderam ver o seu sangue. As aulas pararam? O sangue parou no asfalto, assim como o corpo sem vida. Teorizaram, confabularam. Alguns passaram mal, outros não quiseram olhar para baixo e ver a mancha de sangue. Alegaram sensibilidade. Não duvido. 10 minutos depois estávamos confabulando sobre os problemas da América Latina. O fato é que eu me senti mesmo como o que li no prefácio do livro do Afonso, que tem uma parte de uma carta do Henfil.
Uma pessoa teve o crânio esmagado. A vida continua. As pessoas continuam comprando, comendo, bebendo, conversand ou namorando naquele mesmo parque. Lavado tantas vezes, mas carregado do mesmo cheiro de sangue.
E o que eu tinha de mais importante pra dizer se perdeu outra vez....

12 comentários:

prussiana disse...

o problema é que a normalidade beira a indiferença. difícil tornar a morte pare da rotina da vida, né (sem querer me arriscar demais com piadas do tipo).

prussiana disse...

parte da rotina da vida*

asadebaratatorta disse...

mas é isso mesmo, Pru. ^^
A questão é "como" se vive a "normalidade".
O estranhamento é importante para a compreensão, eu acho. É possível estranhar o "normal", o dado, o rotineiro. É preciso mesmo questioná-lo. Porém, longe de fazer disso uma negação.

Unknown disse...

"Imagine o tamanho da bola de sofrimento que este ônibus carrega. Imagine a potência da alegria que lhe é possível."
E a quantidade de filmes e protagonistas que nele existe! O tanto de gente q acredita q o mundo gira ao seu redor. Qtas e qtas vezes a gente acredita nisso?!E o qto a gente faz questão de não perceber(ou fingir q não percebe) q tá agindo dessa forma!!!!!
Qual o grau de consciencia q temos em relação a indiferença frente ao outro e ao mundo???????? o q ela nos diz?????

=/

=*********

asadebaratatorta disse...

O que ela nos diz, amor? ^^'
O que queremos ouvir? Ou escutamos apenas o que queremos ouvir e dizemos vir da consciencia aquela voz? ^^'''

Amo =*******

Andréa disse...

estanhar o rotineiro... até naturalizá-lo outra vez!

não dá pra não naturalizar as coisas, né? imagina de toda vez q vc liga a luz vc faz um reflexão sobre os fios de cobre, a hidrelétrica, as gotas de água de caem no céu para encher a hidrelétrica, as pessoas que 20 anos atrás foram romovidas dali para dar lugar à barragem etc... assim só sobra contemplação e divagação. e vida n é só isso. vida é a rotina tb.

Andréa (do contra! rsrsrsrsrsrsrsrs)

asadebaratatorta disse...

hiaueuahiehaueha =P
Vamos brincar um pouco com as palavras. "contemplação". "Divagação". O que essas coisas podem ter em comum que "rotina" não tem?
Mas, sim Déa. Rotina. Cotidiano. Isso é fudamental até para o estranhamento. O estranhamento não exclui a ação, mas faz parte dela.

Quem sabe descobrir de onde vem a energia que acende o a luz na sua casa não possa ser uma experiência importante para que você tenha a possibilidade de, por exemplo, usá-la com menos desprezo ou como se ela não fizesse parte da sua vida enquanto uma força autônoma e que não é meramente dependente de você?

Quando falamos de rotina ou cotidiano, estamos falando das experiências que vivemos? Estamos reforçando a nossa "atitude natural" diante da vida? Estamos utilizando um recurso de retórica? Estamos, ainda, tentando defender as coisas boas do cotidiano contra a reflexão "que de nada serve"?


O cotidiano nos traz coisas maravilhosas. Que só conseguimos acessar e significar dessa forma a partir de uma con-tem-plAção. ^^'


Raphael(provocador =P auhuiahiauh =*)

asadebaratatorta disse...

uh, claro. rotina não implica necessariamente em naturalização. ^^'

Anônimo disse...

Raphael,

Fazia tempo que não passava por aqui e... que surpresa! Seu estilo mudou. Está mais preciso, mais incisivo, mais direto. Suas idéias também estão mais maduras: não é fácil refletir sobre um tema sobre suicídio sem cair no lugar comum. Só não sei se concordo com sua afirmação de que a rotina não implica em naturalização. Creio que é justamente a naturalização (no sentido de atitude natural) que a torna rotineira. São idéias gêmeas. Já parou para pensar no significado da idéia weberiana de rotinização do carisma?

Abç.

asadebaratatorta disse...

Sim, Cynthia. É que, de onde minha amiga vem, "naturalização" pode ter um significado diferente de "atitude natural".
Ou, pelo menos, foi como eu interpretei isso. ^^' Talvez possa ser um problema meu com o termo "naturalização". Mas ainda acredito que o cotidiano não necessariamente implicaria em "naturalização". Ainda seria possível estranhar o mundo "dado" (e, novamente, não entendo "estranhar" como "negar").
É um troço meio complexo e vou tentar catar a rotinização do carisma. ^^
Agradeço pelo incentivo. ^^

um abraço ^^

Anônimo disse...

E eis que a asa de barata refuta Hegel! Bem que eu desconfiava que um dia você seria alguém! Mas antes de tirar conclusões apressadas, uma palavrinha sobre o moço. As noções de estranhamento e de negatividade estão intimamente relacionadas. O entendimento (Verstand) deriva de um estranhamento carregado de negatividade: quando estranho algo, necessariamente penso que este algo não é o que eu pensava que era (negatividade). Esta é a primeira forma de entendimento (intuitivo, especulativo) e deriva de um tipo de experiência (estética) que me permite concluir algo novo. O conhecimento, ou a razão (Vernuft), só se dá a partir desta experiência inicial, via intuição e estranhamento. Daí a importância da negatividade para Hegel - que, aliás, também está associada às idéias de objetivação e alienação. Super dialético, sacou?

asadebaratatorta disse...

Super dialético e super saquei! ^^
A aí, acompanhando a dialética, vem a analítica (ou lógica?), que funciona tipo um novesfora. A analítica é bem aquilo que vc fez numa aula de teoria contemporânea, na parte da direita do quadro, se não me falha a memória, numa aula sobre pragmatismo. Ou não teria sido após isso?
Bom, Hegel... parece uma coisa difícil de superar. Que nem Marx. Pelo menos pra boa parte da teoria sociológica que tenho lido. Estou traduzindo um texto chamado "The holistic self versus the atomistic self in structural relation to the Other". Logo no começo, o autor discute hegel ao nível daquela idéia bem batida, que encontrei em Laclau e Mouffe tbm: "o eu só pode ser entendido na relação com o outro". Porém, se é uma relação de ordem dialética, isso está pautado na negação, e depois na negação da negação. Pelo menos é como eu entendi. Aí seria o antagonismo. Sei lá. Acabei de chegar da festa do pré-Alas e tomei uns uísques.
Só sei que essa idéia ainda é muito forte nas ciências sociais.
Mas eu fico mesmo pensando no Nietszche, e depois nas coisas de fenomenologia que leio. Não sei se, como forma de ver o mundo, a dialógica e o perspectivismo sejam melhores que a dialética. É uma hipótese.
Pra falar a verdade, estou de saco cheio dos teóricos da explicação. Ainda olhando meio torto pra psicanálise lacaniana. Agora, me abusando com a noção de agência humana de Charles Taylor.
Acho que precisamos de um projeto de ciência que não nos pense enquanto meros fatos históricos, sociais, etc. De uma forma de conhecer que não nos limite a simples produtos do nosso passado, em meio a uma divisão entre o mundo "real" e o "ideal". Ultimamente, isso tem me parecido uma grande perda de tempo. Acho que foi Nietzsche que disse que o homem não é um ser da ordem da realidade, mas sim das possibilidades. Acho que foi ele que quis uma filosofia que pensasse o humano enquanto produtor, e não produto do próprio passado. E, esteticamente falando, enquanto humano, me sinto mais produtor do que produto. Só cuidado pra não esquecer que não sou o único e legítimo produtor.
Espero ter muitos anos ainda pra estudar isso. E espero beber cada vez menos!
ehaiuheaiuhuaeih ^^'

Sim! "estranhamento"... eu estava tentnado pensar em algum tipo de "redução fenomenológica" que não se baseasse na negação primeira do mundo, mas em sua aceitação...
Isso é teoricamente e metodologicamente possível?