quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Arco...

Era um arco-íris o que ele via. Quando a chuva, já calma, cessava entre a terra e as árvores do caminho, as cores reluziam logo adiante, aos pés de uma colina. Caminhou em direção ao colorido contraste das luzes com o verde da mata, o cinza da neblina e o azul-claro do céu. Uma explosão de vida. Ele devia mesmo sentir inveja do arco-íris. Não queria apenas possuí-lo, tê-lo em suas mãos; não bastava a posse: era preciso sê-lo. Seguiu os restos dos pingos de chuva pela terra amarela e batida, lhe sendo reveladas as mais belas paisagens. E lá estava ele: bem próximo à brilhante muralha prismática que, espantosamente, parecia brotar do chão para as nuvens. Gostaria de dizer algo a ele, mas não pude. Eu não era nada além do vento que sopra. Soprei, mas ele insistiu. Fascinado com a parede ofuscante a sua frente, deu dois passou, estendeu o braço direito e ousou tocar a beleza. tocou-lhe e, de súbito, sentiu um choque em sua mão; seu corpo inteiro tremia e seus cabelos negros perderam levemente a cor: estavam cinzentos como a neblina. Gritou. Não pôde ver a diferença em seus cabelos, mas percebeu, na parte interna dos seus antebraços, seu sangue em tom de verde-floresta. O verde pulsava e seu corpo tremia. A dor percorria todo o seu corpo e logo ele sentiu uma sede tremenda. Desidratou. Pediu perdão ao arco-íris, mas já era tarde para voltar atrás. Gostaria de dizer-lhe algo, mas ele não poderia me ouvir. Gostaria de dizer que seus olhos reluziam nas cores daquele imenso arco-íris. Ele agonizou por mais alguns segundos, sentindo a carne do seu corpo secar e os cabelos cair. Estava quase pronto: já não desfrutava de movimentos humanos, mas seu corpo ondulava e reluzia as sete cores vagarosamente: estava transmutando em outro tipo de existência. Eis que o aro-íris, imponente, levanta vôo atrás das nuvens e, de dentro do corpo daquele homem, sáiram apenas a sede de chuva, a vontade de ser um corpo brilhante e a essência indefinida de sua alma. Todo o resto morreu: alimentou a terra faminta. Logo, a mistura do que restou entrou no arco-íris em forma de vívidas cores que o deixaram ainda mais belo. E então, seguindo a sede de sua natureza, o arco-íris voou entre as colinas em busca da próxima chuva. Não sei o que restou do homem enquanto consciência de si mesmo. Nem se, depois de tanto sofrimento, ele finalmente encontrou o que faltava no fundo de seu espírito. Gostaria de dizer algo àquele homem. Talvez agora ele me ouvisse. Tornando-se o arco-íris, ele não poderia desfrutar daquela visão de antes - a visão humana. Ele perderia o vislumbre da magnitude do mundo. Porém, além da perceptível dor, não sei ao certo o que aquele homem sentiu. De certo que, como eu, ele não está mais dentro e fora do ciclo ao mesmo tempo. Agora, ele está apenas dentro. E eu nunca irei saber como ele se sentiu antes de voltar à eternidade da sua existência: um magnífico arco-íris de sonhos, desejos e nada mais.






Este conto foi inspirado na obra Mushishi.

sábado, 19 de janeiro de 2008

Janeiro.

As chuvas de janeiro começaram. Elas caem impiedosamente, lavando as árvores e a terra. Por caírem em janeiro, elas me dão de novo a maldita idéia de ciclo. A serpente esfomeada que come a própria cauda. A água enche as ruas e os canais fétidos transbordam: pouco a pouco, nos alagados, florescerão peixes coloridos que desaparecerão no porvir do sol que evapora tudo. restará o mesmo pó; o pó sujo das águas poluídas que fazem brotar os mesmos peixes coloridos. E dos corações, alagados, cheios de uma coisa que não cessa de partir... Talvez reste também o pó; a poeira das verdades que não estão mais lá.