sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

A caverna


I
Aqui estou: em minha caverna. Não sinto mais grilhões em meus pulsos. O sol, mesmo forte, não me cega mais. Meus tornozelos estão livres. Não há nada além de um turbilhão de cores evanescentes. Em minha caverna, sou capaz de enxergar tudo; e tudo que não enxergo, invento. Transformo. Muitas vezes, sem saber, construo. Minhas idéias são tudo o que tenho, e meus braços nada dizem além de "sim". Chamei minha caverna de mundo. De alguma forma, quando fecho os olhos, sinto uma dor. Uma agonia me toma; quer me deixar louco. As formas escuras me invadem e me torno, como creio, nada além do que vejo: a caverna.
Esta ilusão me persegue. Basta que me feche os olhos por um segundo e o mundo não está mais lá. Penso. Sonho. Vivo coisas inalcançáveis com os olhos fechados. Parece que não estou tanto mais em minha caverna. Meu próprio corpo já não importa tanto. Não me lembro de quando ele importou verdadeiramente. Ainda tenho crises. De loucura. à noite, ou com os olhos fechados. Apenas o que chamei de sonho me liberta. As idéias permanecem além de minha limitação. Meus olhos fechados vêem. Isso que chamo de mundo não é puro. A pureza precisa ser inalcançável e eu preciso viver em busca dela. Uma vez estive na caverna e saí. Agora, por ironia do maldito que escreve este texto, chamo meu mundo de caverna. O mundo que percebo. Devo viver de olhos abertos a vida inteira? No mundo da pureza, eu sinto que poderia captar tudo. Nada me escaparia. Mediria cada espaço em centímetros. Nunca fecharia os olhos. A paisagem sempre me agrada. Quero chamá-la 'paraíso'. Pois, em um fôlego só, se me fecham os olhos, nada tenho. No auge de minha imperfeição, esse preto que nada me diz, só pode ser o contrário do meu amado paraíso. Necessito controlar tudo. Preciso evitar o negro. Para aqueles ao meu redor que deixam de abrir os olhos, resta a terra. Coberto pela terra eu não poderia ver! A morte é... o inferno.
Gostaria que a ironia cessasse. Não mais suporto tal contradição. Preciso criar um meio rápido para alcançar o paraíso. Preciso crer. Assim como saí da caverna, eu posso sair da contradição. Porém, sempre que durmo ou acordo, sinto que algo me escapa. O maldito escritor deste texto teima em me pôr na caverna. Ele diz que eu nunca saí da minha caverna. Que, nas minhas próprias imagens, no mundo, eu nunca sairei da minha caverna. Oferece-me um espelho. Vejo a minha própria face. O essencial me escapa. Nunca consegui abandonar os meus próprios olhos...

II

Não! Esta não é a verdade! Não posso ser apenas uma percepção. Se assim fazem meus olhos, eles mesmos são imperfeitos! Meu corpo é pura podridão! Sou o pior dos escravos. Mas... Não posso ser apenas isso. Eu sonhei. Meus olhos... Estes já não me servem mais. Preciso, a partir destas grades, criar coisas que me façam ir além destes olhos. Algo de essencial me escapa. Porém, creio que posso ver coisas minúsculas com a clareza com que vejo esta imensa rocha. Algo de essencial me escapa. Não. Eu devo negar. Negar que estes olhos tocam o infinito. Criarei! Instrumentos! A partir de meus próprios olhos, provarei a mim mesmo que... que o mundo não é apenas isso. O mundo, a podridão do que conheci por vida. Nada disso está aos pés da pureza. Algo de essencial me escapa. Devo negar este mundo. Desbravar outro, por detrás do que estes olhos imperfeitos captam. Lá está a realidade. Algo de essencial me escapa. Já não importa mais. Adiquiri pares. Vi a lógica. Insistem em dizer que ela não estava "lá". MAS ELA É REAL! Eu não estou louco. Apenas um pouco eufórico. Eureka! Este mundo não passa da ponta de um iceberg de verdades deliciosas a serem desbravadas. NÃO! Algo de essencial me escapa. Eu preciso produzir este novo mundo que vi. Sinto que estou deixando a caverna. Meu próprio corpo já não importa tanto. Tenho a razão. A lógica. O cálculo. Posso ver muito além... Posso mesmo PREVER! ISSO É FANTÁSTICO! Algo de essencial... Devo sempre negar cada novo mundo que encontro! Sei que por detrás dele sempre haverá algo mais! Está lá! O maldito escritor deste texto tem cada vez menos poder sobre mim. Devo abandonar minhas antigas verdades. Devo buscar a novidade. A verdade sempre descansa por detrás de cada fato. Eu sou um fato. Penso, logo existo. O mundo é cinza. É ASSIM POR QUE EU VI! Mas, através de minhas ferramentas. Meus olhos não são tão confiáveis. Estou cada vez mais lúcido.... Estou cada vez mais longe de mim! Logo serei perfeito. Descobrirei todas as leis do universo. Descubrirei como calar este maldito escritor que teima que esse mundo não passa de uma anomalia que construí a partir da minha pórpria crença. Eu não estou delirando. Instrumentos não deliram. Qualquer um dos meus pares chegaria ao mesmo resultado: a verdade é uma só. Não poderei morrer. Mesmo que a terra me engula, esta não será a verdade. Minha marca sobre o mundo continuará com meu legado. Desvendarei verdades por toda a eternidade.

III

Não! Eu não estou louco! não me restam muitos prazeres, é claro. Mas a verdade supera todas elas. Descobri o mundo além do mundo e criei a mim mesmo diante do espelho. Algo de essencial me escapa. Sinto que o escritor cansou deste duelo. Ele não é mais capaz que eu. Antes de mim, vieram muitos. Estou aqui para dar continuidade. Com apenas um gesto, farei o mundo inteiro arder em chamas. Tudo tremerá! EU TENHO PODER SOBRE O MUNDO! Algo de essencial me escapa. MALDITO! MALDITO SEJA ESTE ESCRITOR! Ele me atormenta por tantos séculos. Ele me faz temer... NÃO! É assim por que eu vi. Os meus novos instrumentos são infalíveis. Isso é o progresso. Sei que amanhã terei instrumentos ainda melhores. Confio nos meus filhos. Ensino-lhes cedo a arte da verdade. Ela está sempre lá. Por detrás de cada página de livro que eu escrevo. Ela deve estar lá... em algum lugar.
O escritor parece cansado de narrar minha história. Eu não desistirei. Mesmo que eu morra, o progresso continuará. A ciência é a mãe de todos nós. Contra ela, um reles escritor nada pode fazer. ISSO NÃO É A VERDADE! Esta idéia é coisa do passado. É claro que posso ir além de mim. Claro que posso ver para além dos meus olhos. Algo de essencial me escapa. O escritor me diz que nunca verei além dos meus olhos. Que meus instrumentos de nada servem sem a imperfeição de minha própria carne. Diz que inventei e construi este mundo como está. Diz que eu o sujei! Que prepotência! Apenas o chafurdei, película por película. Metal, petróleo, urânio. Isso é o mundo. Descubro o mundo indo cada vez mais fundo. Mal posso esperar pela nova verdade que desvendarei. O mundo inteiro me amará. Eu sou perfeito. Está nos meus genes. Apenas a verdade me espera. Algo de essencial me escapa...

3 comentários:

GGUEDES disse...

Raphael, vou colocar músicas em inglês e português, tá? hahahaha
(Nem passei...)
Vou incluir um ink para o teu blog.

Beijos e namarië

asadebaratatorta disse...

Raphael [trabalhando] diz:
o homem em face do si mesmo
Raphael [trabalhando] diz:
e o si mesmo como um outro
Raphael [trabalhando] diz:
a dúvida. de que se despimos o ser humano de tudo o que o compõe, nada reste.
Raphael [trabalhando] diz:

Raphael [trabalhando] diz:
talvez pq nós "criamos", apesar de tudo. por mais que passemos a simplesmente "reproduzir", ou "recriar".
Raphael [trabalhando] diz:
se tiramos do homem tudo o que ele criou e recriou... o que resta?

asadebaratatorta disse...

Raphael [trabalhando] diz:
o que tô querendo dizer é que
Raphael [trabalhando] diz:
se concebemos o homem fora da criatividade
Raphael [trabalhando] diz:
este homem não é