segunda-feira, 19 de abril de 2010

Desceu as escadas lentamente, ressoando degrau a degrau a sola dura do seu sapato preto ao encontro da madeira. Por certo, escondi-me ali, onde cores pudessem me denunciar. Trazia em mãos uma imensa gramática da língua portuguesa. Sua expressão fixa, como uma fotografia ambulante. Sua postura ereta, de ombros levemente curvados à frente, como que cansada da noite mal dormida.
Quis falar, quis tocar seu ombro e perguntar sobre a gravidade do corpo, a pressa da mente e a paralisia do rosto. É certo que eu não poderia, por não ser matéria. Naquele instante, toda a minha existência se resumia àquela percepção. Eu me sentia só, mas não saberia como falar. De alguma forma, eu não passava daquele espaço vazio por onde ecoava o ritmo dos passos espiralados, que sutilmente saíam de cena para que minha morte fosse, mais uma vez, anunciada.

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